Acordou com um gosto amargo na boca. Bebeu um pouco na noite anterior, com amigos e seus amigos. A claridade lá fora o impedia de continuar o sonho interrompido, também por causa do barulho do dia começando. Olhando pro teto percebeu que acima da janela com furinhos o branco da parede estava mais evidente, na direção oposta o teto vai ficando cada vez mais escuro, e a parede onde sua cama está encostada é a menos iluminada de todas. Poucos livros na prateleira do quarto indicam que nunca teve muita paciência pra leitura, mas leu todos os que se deu o trabalho de comprar. Sade, Nabokov, Mishima, os russos, Bernardo Carvalho, Cunningham. Ali estava representado, não necessitava mais. Na meia sombra das 8:30 da manhã conseguia distinguir um ou outro livro. Tinha se esquecido da ordem deles, os havia colocado naquela posição há muito tempo, talvez no ano passado.
Virou-se de lado, afundou o lado direito do rosto no travesseiro, expirou. Naquela posição sentia seu rosto congelado, como se tivesse uma máscara que cobrisse metade dele. O cheiro do travesseiro indicava um perfume que não sabia identificar, um sabão que lembrava aqueles usados em hotéis. Os pés descobertos estavam congelados, sentiu raiva pois na hora de dormir havia calçado a meia, que perdeu-se. Logo que percebeu isso os cobriu, mas não adiantou muito. Continuou de lado, o braço direito recebendo todo o peso do corpo. Sentiu que o membro começava a formigar, parecia iniciar-se um fogo que não sabia de onde vinha, mas que acometia somente o braço. Com os dedos da outra mão começou a massagear o braço atacado, mas viu que não adiantava muito.
Com a barriga pra cima, olhou novamente o teto e percebeu que a configuração das sombras havia mudado. Já fazia um tempo que estava acordado, mas não sabia quanto. Retirou os relógios do quarto, não queria saber de hora pra acordar. Achava o maior desaforo impedir-se de ter prazer; dentre eles estava o longo e necessário sono. Respirou mais uma vez, fechou os olhos e lembrou da noite anterior. Ou do que conseguia lembrar. O gosto amargo era da vodka barata, das caipirinhas, das salivas de semi-conhecidos. Ficou com um rapazinho, recordou-se do rosto e da sua bunda. Nome? Agora não. Quanto mais esforço fazia pra lembrar detalhes, mais seu olho fechava, a cabeça doía. Prefiro não lembrar neste momento.
Não havia tomado banho, sentia cheiro de cigarro por toda a parte, parecia que haviam fumado ali mesmo no seu quarto. Pelo menos estava só de cueca, então o cheiro devia ser mais tolerável, acreditava. Como alguém em coma, começou a mover os olhos e manteve o corpo parado. Ia ao teto, à janela, aos móveis velhos. Estava sozinho, estava acordando. Apesar dos indícios da boa festa serem sentidos no corpo, percebeu-se insatisfeito. Os olhos encheram de lágrimas que, ao escorrerem pro canto da boca, salgaram a língua. Recebeu uma mensagem no celular, que apitou tão alto que sua dor de cabeça voltou por um instante. BOM DIA, escrevia alguém com quem havia passado a noite anterior. Nem viu quem era, não quis saber. Levantou da cama, fez 30 flexões, foi tomar banho.