Tudo acontecia de forma espetacular. Depois de terem conversado por dois dias inteiros no MSN – convenhamos, isso é muito – decidiram se encontrar em um shopping pra verem a cara um do outro. Na Internet falavam sobre tudo, família, música, cinema, transas, tamanho do pau, posições, bichos de estimação, namoro, etc. Descobriram que eram do mesmo signo, tinham a mesma idade, apenas 7 dias separavam o mais novo do mais velho.
Como estavam conversando com outro quase igual - praticamente um espelho - devido às condições astrológicas, acabavam perguntando coisas sobre as quais já sabiam as respostas. Vou testar pra ver se ele é mesmo. Sim! Até a arrumação do guarda-roupas era parecida: calças de um lado, separadas por tipo de tecido; no meio as t-shirts; à esquerda os moletons pro frio. Nas gavetas, cuecas e meias dobradas e colocadas em montinhos. Nunca conheci alguém tão chato como eu no quesito arrumação! E riam às gargalhadas, naquele riso que só os chats poderiam inventar, secos e mentirosos. Era kkkkkkk pra cá, rsrsrsrsrs pra lá, bjssssssssss aqui, elogios ali.
O momento da troca de fotos foi tenso. Mas logo pulverizado quando o mais inseguro recebeu um elogio que não esperava: nossa, você é bonito mesmo, cara de homem! O outro agradeceu sem entender muito bem o que seu companheiro de signo dizia. E a conversa tomou rumo: combinaram de se encontrar no mesmo dia, só iam tomar banho. Passo na frente daquela drogaria daquela avenida às 15 horas, certo? Combinadíssimo.
No mesmo horário lá estavam eles. O motorista deu a buzinada, o bonitinho entrou e apertaram as mãos... Pra deixar o momento mais esquisito ainda, um deles soltou o clássico como está calor hoje, não? Não, não estava. Falaram sobre trânsito, como a cidade estava cheia de carros.
Em poucos minutos, deixaram o carro no estacionamento do shopping. Entraram rapidinho e começaram a passear. Beber? Não. Comer? Também não. Vamos só andar mesmo... Se na internet conversaram sobre coisas interessantes, ao vivo o papo foi o mais prosaico possível, sobre a loja, a roupa, a televisão, o brinquedo, os cds e dvds. Na loja de departamentos ficou claro que o gosto dois não era lá muito parecido. Um gostava de comédia, o outro de terror. Ótimo, assim a gente se complementa, pensou um. Depois disso decidiram ir direto pro carro, não queriam ir à praça de alimentação porque não estavam com a mínima fome.
Ao entrarem no carro, o motorista ofereceu um halls preto pro carona, e perguntou se não queria esticar o passeio, ir pra um outro lugar mais sossegado. Já tinha certeza disso, pois combinaram até os possíveis motéis para onde iriam, tudo virtualmente.
- Eh, você pode me deixar no mesmo lugar que me pegou?
O outro estava colocando a chave na ignição e nem conseguiu ligar o carro.
- Voltar pra avenida? Agora?
- É...
- [suspirando] Certo, sem problemas.
Ligou o carro. Saiu. Depois de uns 5 minutos sem trocarem uma palavra, fez-se a pergunta inevitável: ainda tenho chance de te ver? E o outro deu a resposta mais clássica ainda: Sim, como amigos... é sempre bom conhecer novas pessoas.
Não precisava de mais nada. Sem perguntas. Sem explicações. Tornaram-se desconhecidos. O carona desceu do carro no lugar combinado, deu um beijinho no rosto, despediu-se. O motorista, atônito, sabia que nunca mais iria ver aquele rapazinho da sua idade, tão lindo... Em menos de uma semana, ambos haviam ido aos céus na expectativa de encontrar alguém interessante, bonito e inteligente. No dia do encontro completavam 6 dias desde que trocaram a primeira palavra. Agora sim estava calor como no inferno. Mas então parece que só um deles achou o que procurava. Ele já tinha dispensado outros caras, em outras épocas. Naquele momento, e nos dias seguintes, teve a certeza de que tomar aquele fora colossal foi uma das piores coisas que jamais imaginou acontecer.