16.4.09

mais um esforço, assim...

A doce ilusão da irmandade. Então quem disse que só porque lemos os mesmos livros, escutamos as mesmas músicas e assitimos filmes semelhantes a gente pode namorar? Disse ele, às gargalhadas. Professional heartbreaker, existe isso? Não acreditava no que diziam a respeito da sua responsabilidade sobre o que cativa.

Seguia pela rua, à pé, cigarrinho apagado no canto da boca, 50 reais no bolso, calça jeans com tintura envelhecida (a nova custava uma fortuna), sapato de quem já foi importante um dia. Hoje não mais. Com Macário debaixo do braço, parava na porta dos bares, pedia uma, seguia em frente. Tomava quase sempre de costas para o balcão, olhando aquele pedaço da rua delimitado pela moldura da porta. Um quadro em movimento. A gente é obrigado a achar beleza nas coisas, não existe coisa mais interessante que a vida. E a cerveja ajuda a perceber isso. Nasceu sozinho, antes da hora. Então não havia motivo para procurar alguém pra estar do seu lado, queria ser responsável pela sua sombra, só isso.

Certa vez olhou pro lado, no balcão, e viu uma mulher chorosa, olhos vermelhos, nariz fino. Deu vontade de ir lá e dar umas chacoalhadas nela. Só que nem tudo são flores. Apesar de conhecer gente igual à sua volta, não tinha a menor paciência pra rodeios e normas de convivência, achava patético os aproaches utilizados pela maioria dos colegas. Estava precisando de uma tragédia pra unir sua vida com outras que realmente lhe interessavam. Nada melhor que uma desgraça pra fazer as pessoas se unirem. Quem sabe colocar fogo no buteco, seria uma boa ideia. Poderia salvar o gostosão que conversava com a chorosa, deixar ela lá, ir visitá-lo no hospital, dar uns beijinhos e só: próxima parada, aqui vou eu.

Sabia que a gente vive com muito, muito pouco. Ar nos pulmões já tá ótimo. Recusava-se a ter alguma coisa, porque no final das contas são as coisas que têm a gente, acabam determinando o que a gente pensa, como agimos e pensamos no presente e futuro. Mas isso é uma bosta mesmo, essa cegueira. Tinha certeza que ia morrer dentro de poucos anos, simplesmente pelo fato de não suportar esse modo de existir que se espalhava feito praga pela cidade, pelo país, pelo mundo. Não se achava melhor que os outros, só tinha uma visão diferente, que por sinal não era compartilhada por ninguém que conhecia. Você paga um preço por ser gordo, magro, gênio, gay, casado, bichinha, etc. Tudo vem etiquetado, você leva o pacote inteiro muitas vezes sem ter como carregar, igual as promoções das Casas Bahia: compre a geladeira, mas tirar da loja é por sua conta.

E já tinha carregado milhares de geladeiras na vida, esquecia quem fora na semana passada, tinha feito um personagem de si mesmo. Ouvia dizer que na tv já fora interpretado por inúmeros atores, que no final do dia retornavam à suas vidinhas medíocres. Afinal, 24 horas na vida de alguém, dependendo de quem, é demais.

Tinha um prazer enorme em chutar pedrinhas no asfalto, especialmente porque elas estavam cada vez mais raras. Brincar de Deus com aquilo que lhe era inferior era regozijante, cuspir na rua trazia uma liberdade que muitos sequer ousaram pensar. E seguia vivo, isso que importava. Quando não der mais, acaba. E pronto, simples assim.