Você vai dizer que não, mas preciso. Nunca é tarde pra gente perceber o quanto errou, as ilusões perdidas que só ficam claras quando estamos sóbrios. Apaixonar-se é estar embriagado; o sexo é inebriante; você me tira do eixo. Então responde: pra que terminar? Percebo nos seus gestos, expressões, modos, que eu não passo de uma diversão, alguma companhia minimamente interessante que um dia foi considerada como parte de sua vida, seu namorado. Mas não, você foi muito mais parte de mim, e não eu de você. Teu jeito é de gente que não liga muito pras coisas, esta aí pro que der e vier, encara tudo de frente, pinta a casa de uma cor e no mês seguinte de outra. Coração é igual guarda-roupa: é só enfiar uma roupa aqui, uma cueca ali, um cobertor lá em cima e tudo cabe. Amassado, mas cabe. E eu não quero meu coração amassado dentro do seu; é muito desigual: eu tenho espaço de sobra. Talvez por ter amado pouco, por me importar demais. Você já amou muito, e pouco se importa. Sacou? Queria ser assim. Gays somos nós dois, mas cada um a seu modo. Não adianta mentir, eu vejo quanto amor ainda tem pra dar; foi tanto amor e tantas traições [bem] sucedidas. E agora o que faço com tantos presentes, tantas fotos? Talvez guarde somente aquele cartãozinho minúsculo, com nossas iniciais dentro do coração desenhado; lá se foi o amor, desses de cinema... Ontem suspirava, hoje rio. Não por ser engraçado, mas por se tratar de um clichê: rapaz solteiro conhece outro quase solteiro; agarra-o no meio da boate sem saber seu nome; troca telefone, combina uma foda descompromissada; um deles se apaixona e ama; o outro não se permite tal perda de tempo. Era demais mesmo, aquele rapaz saído de um livro do Rubem Fonseca só podia ser ficção... E por essas e outras estou deixando esta carta na sua caixa de correio, vim até aqui, atravessei a cidade de metrô, só pra encontrar uma parede descascada, um cachorro vira-lata, uma garrafa de vodka no meio-fio. Na próxima semana volto à boate, esquecerei de tudo. Se me vir, não se aproxime.
A inspiração para o post, retirada do irretocável Garoto, Interrompido:
Essa carta faz parte de um(a?) meme criado por Daniele Vieira, que propõe aos indicados que façam uma carta como se rompessem com um certo alguém. A ideia foi inspirada na exposição Cuide de Você, da francesa Sophie Calle, que convidou 104 mulheres para interpretarem um e-mail de seu ex-namorado que gostaria de romper o relacionamento de ambos. As regras são as seguintes:
1.: Escrever uma carta como se você estivesse rompendo com o seu (sua) namorado(a);
2.: Escrever estas regras e uma breve explicação do que é o meme ;
3.: Indicar cinco pessoas.
Obrigado, G.I.! Posso quebrar as regras e não passar pra ninguém... por enquanto?