27.4.10

você consegue

Escutando Vogue 2008 no banheiro, fazendo a barba – e a sobrancelha –, pensou: deve haver um jeito. Qual? Escapar pra sobreviver, e tentar ser melhor. A única mudança possível e razoável é acompanhada pelo deslocamento físico; se ele não ocorre, tudo lá no fundo continua o mesmo. Impossível saber onde e quando a gente vai morrer, então que seja um lugar muito diferente daquele que nos recebeu. Pensava freqüentemente em abandonar tudo, e por mais certinho e engomado que aparentava, sabia que tudo passa rápido demais diante dos olhos, e só se é jovem uma vez na vida. Ser uma putinha diante da vida, se entregar a tudo e todos: isso sim era viver plenamente. Olhava os junkies londrinos na internet, procurava por galerias de arte em Estocolmo, além dos leather clubs em Manhattan, sonhava em conhecer aqueles resorts gays perto de San Francisco. Realmente, muitas possibilidades, nenhuma concreta. Porra, na próxima vida quero ser qualquer ave. Das voadoras, claro. O curso pra drag queen poderia ser uma opção, mas sabia que tratava-se de um talento nato, e não aprendido. Não existem cursos em que futuros farmacêuticos aprendem a jogar “bosta nos viados”? Deve existir o contrário também..., ponderava. Na frente do espelho - se eu mudar quero levar ele, já virou meu companheiro -; percebia suas imperfeições, e as achava interessantes.  Com a barba feita e as sobrancelhas mais aceitáveis, achou-se 10 anos mais jovem, o que em cálculos irreais significaria um retorno à descoberta do pinto, lá pela 6ª série. Então ainda tenho, no mínimo, uma década pela frente. Longe daqui. O lugar onde a gente nasce é parte de nós, pode ser uma bênção ou uma praga, e como quase tudo material, muda com certa parcimônia. Sempre há um cheirinho do presídio naquela pracinha onde hoje correm crianças que, um dia, estarão no banheiro sonhando em morar num apartamento sem paredes. Em Nova York, claro.