10.3.10

nada. ou quase nada

Sentado no sofá com o namorado, cada um encostado num canto, 4 pernas cruzadas. Havia esquecido como tudo aquilo tinha começado. De um jeito não muito corriqueiro. Ah, mas foda-se, ser homo num país fudido como o nosso e ainda conseguir manter uma relação com alguém do mesmo sexo minimamente interessante já era a improbabilidade elevada à décima potência. É aquela velha história, a gente sempre anda em círculos a procura de algo, mas só na hora em que somos interrompidos é que a vida acontece.

A rotina dava segurança, mas nada que o fizesse se sentir vivo. O amor é a única coisa capaz de nos tirar da mediocridade. Tem coisa mais chata que acordar sem querer, trabalhar sem querer, estudar acreditando num futuro que ainda não chegou? Pagar contas, comprar um carro, colocar gasolina, consertar o chuveiro, enfrentar fila, ser assaltado, aguentar preconceitos: viver cem anos deve ser como assistir ao mesmo filme 50 vezes. Ninguém aprende porque o outro quer, e nobody knows anyone else, ever!

Então, sentado no sofá, experimentava a felicidade. Coçando o pé do namorado, olhando a unha, apertando aquele corpo não tão estranho. O que faz duas pessoas se encontrarem é o temor de passarem pela vida despercebidos, sem testemunha alguma. Os héteros ainda podem  ter filhos, ou seja, mais testemunhas. Aos homos cabe implorar à justiça de seu pretenso estado-nação o direito de adotar alguém. O programa ruim passava na tv, mas nenhum dos dois se importava: a gente sempre pode escolher pra onde olhar, a quem ouvir e dar amor. Escolher e nunca se arrepender; pegar na mão de alguém e sair sem rumo; sentar num sofá velho e abraçar, beijar, cheirar quem não cobra nada ou quase nada de você: isso é felicidade.