[numa gaveta empoeirada]
Num futuro próximo, não dormi, sonhei com você. Aquela sensação de que tudo vai ser diferente tomou conta de mim, atrapalhando minha percepção sobre o certo e errado, sobre o modo de agir a dois, sobre as palavras ditas e não ditas. Olhares se tornam muito mais importantes do que palavras, quando a gente ama. Sei disso, você já me falou, e eu sempre me perco na tentativa de superar expectativas. A cama vazia, de solteiro, mal me cabe. Mas tem espaço pra você, a gente arruma.
Lembranças contêm o amor que não existe mais, ou aqueles transformados pelo tempo. É lógico, o amor é um sentimento como qualquer outro, pode acabar. Mas também pode durar uma vida. Ou duas. Ele demanda vitalidade, energia, interesse, generosidade. É como ensinar uma pessoa a andar de bicicleta. Em tese, ela nunca esquece. E eu sei que nunca te esquecerei, por seu significado hoje, pela memória de amanhã. Você tirou de mim a minha inadequação, agora não sei como ocupar esse espaço.
Aprendi que estar preparado, não importa pra que, faz a gente agir como se tivéssemos domínio sobre a situação. Por outro lado, é preciso saber a hora certa, o momento exato de entrar em cena, mesmo sem preparação. Você vai sem olhar pra trás.
No dia em que paramos na rua e você me perguntou, eu te satisfaço?, quase respondi NÃO!, porque não dá pra saber a medida certa dessas coisas. Depois de perder minhas conquistas, acostumar com algo muito melhor é difícil. Nada faz muito sentido, trabalhos, buzinas, piadas, bebida, computador, a cidade, as conversas, televisão. Ou melhor, existe um sentido nisso tudo, mas não é aquele que procuro. Nem sei mais qual o meu tempo, o relógio não funciona, tudo é vertigem e voragem. Outro dia bebemos e conversamos e rimos e contamos piadas, de novo, nada fazia sentido. Mas era bom. A gente precisa de testemunhas, e prefiro perder meu tempo com você.
Seu senso prático me desconserta. Guarde uma gaveta pra mim, estou levando minha escova de dentes e um par de chinelos.